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Epitáfio

M,

Essa talvez seja a última vez que vos falo. Esse é aquele momento da vida em que você já não tem muito mais a perder e surge daí uma coragem que te permite dizer algumas coisas que sempre quisera dizer.

De todas as pessoas que conheci nos últimos anos – à sua maneira – você foi a mais especial. Tem coisas que só o tempo nos mostra. Você me cativava a cada pequeno gesto, e eu nunca soube reconhecer isso.

O que mais dói talvez não seja não te ter mais, mas seja lembrar as vezes em que você dizia que iria para aquele show, chorar os amores antigos, e eu apenas criticava o cantor, quando na verdade eu queria te agarrar e dizer “me deixa ser seu novo amor? Me deixa te fazer esquecer os outros todos? Você não vai mais precisar lamentar por eles!”. Ou talvez seja lembrar de todas as vezes que eu ficava admirado com sua inteligência mas ao invés de reconhecê-la eu tentava sobrepor a minha. Ou então daquelas vezes que tínhamos algum pequeno desentendimento e ao invés de te abraçar e te dizer que com aquele sorriso você ganharia tudo de mim eu te dizia que era perfeccionista.

Machuca lembrar de todas as vezes que eu quis muito te abraçar e não abracei, de todas as vezes que eu quis te dizer que você estava linda mas não disse, de todas as vezes que nossos olhares se cruzaram com tanta ternura e eu sabia ali que gostava demais de você mas negava pra mim mesmo.

Você me disse logo no começo que eu era maduro, mas você se enganou. Você é quem sempre esteve um passo a frente, e é triste dizer que eu tive que apanhar um bocado para entender isso. Digo isso porque eu te entendo. De verdade! Dói, mas eu entendo. Eu precisei primeiro entender a minha dor para entender a dor que eu te causei.

O tempo passou e eu acabei involuntariamente buscando em outras pessoas as coisas que eu encontrei em você. Busquei o seu carisma, busquei a sua inteligência, busquei a sua alegria, busquei a maneira como você me deixava de perna bamba, ou a maneira como você me deixava sem palavras. Busquei... Em vão. E se essa é a hora de dizer aquelas verdades que nunca dissemos, eu só queria te dizer que eu te amei. À minha maneira torta e cheia de erros, mas amei. E se nesse instante, que me parece ser o fim da linha, eu junto minhas forças para te dizer isso, é porque em nenhum momento até hoje eu deixei de amar.

Saiba que pra onde eu for levarei comigo um pedacinho de você. E se eu ainda tiver o direito de fazer um último pedido, queria pedir que você leve consigo um pedacinho bom de mim, pois foi somente isso que eu quis dizer mas falhei: o melhor de mim.

Com amor,
X

 

Recado do tempo

Fala pra ela que ela é um sonho bom.
 
Fala pra ela que o corpo dela encaixa no meu abraço. E apesar dela saber disso, é bom sempre lembrar.

Fala pra ela que quero fazê-la rir. Ela vai corar e dar aquele riso tímido dela quando você falar isso. E ela sabe o quanto eu sou fã daquele riso.

Fala pra ela dos beijos, dos toques, do cheiro, dos olhares, dos abraços e até das mordidas. Fala das noites dormidas de conchinha ou então das noites sem dormir. Ah, e fala pra ela do cabelo, não esquece!

Fala pra ela que nada é tão bonito quanto ela saindo do banho com os cabelos molhados. Ou com aquela roupa de dormir que ela sabe que me provoca.

Fala pra ela que eu vou assistir ela dormindo. Mas que eu também vou correndo na farmácia de madrugada pra não ver ela com dor.

Fala pra ela que hoje eu fui na feira e perguntei pro feirante se ele tinha a fruta favorita dela. E que eu fui também na sorveteria e avisei o dono que ela quer esse sorvete na próxima vez que vier aqui.

Fala pra ela que eu faço café pra ela. E que se ela tiver fome eu faço miojo. Ou então eu aprendo a cozinhar, não deve ser tão difícil.

Fala pra ela que o medo é reflexo do que a vida já fez com a gente, mas que às vezes ela nos traz surpresas de onde a gente menos espera. E que nessas horas a gente tira o medo pra dançar.

Fala pra ela que ela é aquele passo de dança que eu acertei.  Que ela é aquela minha poesia que ela gosta e que aquelas palavras bonitas não seriam bonitas se ela não as lesse.

Fala pra ela que meu brilho no olho é dela. E meu sorriso bobo também.

Fala pra ela que ela é a calmaria que veio pra minha turbulência. Mas ela é também a bagunça que faltava no meu excesso de organização.

Fala pra ela que ela é o meu sonho bom.

Fala pra ela que o nosso sonho é bom.

Sobre eles e a madrugada

Ele nunca foi muito de acreditar nesse negócio de “destino”. Achava que as coisas aconteciam somente mediante alguma atitude que a provocasse. Talvez isso fosse parte do jeito metódico dele de ser, como uma vez uma pessoa lhe falou e ele não gostou. Sem querer parecer meloso, mas isso parece ter mudado quando ele a conheceu. Ou pelo menos algumas circunstâncias o levaram a pensar dessa forma. Um tempo depois, ele era quem estava tentando convencê-la desse tal de destino. A vida é mesmo uma caixinha de surpresas! Foi especial e diferente de tudo que ele já tinha vivido. Parece pouco, mas era só o que ele conseguia raciocinar até ali. Estava ainda anestesiado.

Tentaram algumas vezes planejar um encontro e nunca conseguiram um consenso. Ele sugeriu um cinema, ela quis um parque. Ele sugeriu um café, ela quis um açaí. Ele sugeriu de noite, ela quis de dia. No meio dessa indecisão toda o destino se zangou e decidiu colocar a mão. Deu o jeito dele! E quando ele decide agir as coisas saem inesperadamente boas.

Lembrou que enquanto a beijava, parava alguns segundos para olhá-la. Procurava de início seus olhos, e quando os encontrava ficava ali parado. A anestesia começou a ser aplicada ali. Ela, acho que na tentativa de livrá-lo dessa anestesia, o mordia. Mas as mordidas faziam efeito contrário. Mal sabia ela que ele adorava mordidas.

Aos poucos ela se envolvia nos braços dele. Aos muitos ele era anestesiado. Os toques foram aumentando, assim como o calor também. Mas isso era mera coincidência, a cidade lá era muito quente, principalmente na madrugada.

Ele se pegava pensando se sua barba a estaria incomodando, se ela gostava de seus beijos e de seu jeito, ao mesmo tempo em que percebia como ela estremecia conforme ele navegava suas mãos no cabelo dela e obtinha as respostas que não precisava quando ela buscava seus beijos.

Inebriava-se com o cheiro dela, e por mais que o perfume dela fosse bom, era o cheiro da pele dela que o deixava mais anestesiado ainda. Percorria com calma o pescoço dela, beijando, e quando não resistia mais dava-lhe umas mordidas de leve. Percebeu também como ela ficava quando tocava-lhe na barriga ou mordia levemente sua orelha – antes dela confessar que um era por cócegas, o outro não.

Parece clichê, mas por algumas horas esqueceu-se do resto do mundo. Esqueceu-se do horário, esqueceu-se que tinha que trabalhar no dia seguinte, esqueceu-se de tudo.

O dia amanheceu e ele foi, mas com uma vontade enorme de ficar.

Da próxima vez

Durante horas eles planejavam e sonhavam como seria esse reencontro. O que diriam um para o outro? Estariam nervosos? Onde seria? Ele iria até ela ou ela viria até ele? Sentiam na pele uma saudade diferente, não aquela “comum”, mas uma saudade de concretizar algo que sentiam e não sabiam explicar.

Mas nem todo plano do mundo pode prever aquelas sensações indescritíveis. Aquelas mãos suadas, aquela dúvida no minuto antes: “Será que é isso mesmo?”, e no próximo segundo a confirmação de que sim; aquele brilho no olhar a distância, que emendava com um sorrisinho bobo que os dois coincidentemente abriram ao mesmo tempo. Já conheciam aquele sorriso, até nome já deram para ele – mas isso ficava entre eles.

Ela esperara alguns segundos – que pareceram horas – por algum sinal ou iniciativa dele, mas no fundo ela só queria senti-lo, sentir o toque, sentir as mãos, um afago nos cabelos (e que cabelos lindos ela tem!). Ficou toda envergonhada quando ele tocou seu rosto pela primeira vez, enquanto ele tentava disfarçar as mãos trêmulas.

“O beijo vem agora?” – pensou ele. Não precisou nem esperar pela resposta, aconteceu naturalmente. Os dois se abraçaram, aquele abraço forte, pesado, carregado de toda a “saudade” que sentiam, que trouxe consigo o beijo, esse agora calmo, mas com muita vontade. Estando ali tinham agora todo o tempo do mundo.

Não se preocupavam mais onde estavam, quem estava ao redor ou como haviam chegado ali, queriam sentir um ao outro, queriam sentir aquela coisa intensa que haviam vivido e estava ali, representada.

“Sentir, isso me basta no momento” – pensava ela, enquanto davam outro abraço emocionado antes de partirem... De mãos dadas.

Porque necessito

Escrevo com a necessidade que um cego tem do tato
Escrevo com a necessidade que o cineasta tem do segundo
Escrevo com a necessidade que o poeta tem letra
Escrevo com a necessidade que o músico tem da nota
Escrevo com a necessidade que o reencontro tem do abraço
Escrevo com a necessidade que o carro tem da estrada
Escrevo com a necessidade que o ídolo tem do fã
Escrevo com a necessidade que a vida tem do sonho
Escrevo com a necessidade que o café tem do leite
Escrevo com a necessidade que o pão tem da manteiga
Escrevo com a necessidade que a piada tem do riso
Escrevo com a necessidade que o riso tem da alegria
Escrevo com a necessidade que tenho do olhar
Escrevo com a necessidade que tenho do toque
Escrevo com a necessidade que tenho da palavra
Escrevo com a necessidade que tenho de me conhecer
Escrevo porque me liberto
Escrevo porque sinto
Escrevo porque escrevo.